Por Daubert Gonçalves*
Observar apenas e unicamente as boas oportunidades quando os ventos são favoráveis é, no mínimo, despreparo baseado em um teologismo medieval que, indubitavelmente, rumará para o desastre. Outra perspectiva equivocada é a famosa frase, “Mas sempre fizemos assim”.
Pois bem, o Covid-19 (Corona vírus) veio para comprovar teses medievais, modernas e contemporâneas.
É claro que este texto possui exclusivamente um olhar técnico, não estou vilipendiando as vidas perdidas, os doentes e todo esforço que a raça humana está empreitando para permanecer no planeta, não tenho a pretensão dessa insensibilidade, mas um momento como este é propício para as grandes mudanças e, enfim, tirar-nos da zona de conforto.
Einstein disse que é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito, este é o momento que veremos vários preconceitos e hábitos serem desintegrados e alterados pois o assunto em voga é sobrevivência e o ser humano só altera seu interior quando algo grave acontece. É claro que quando Lavoisier afirmou que nada se cria, tudo se transforma temos que pensar em qual tipo de transformação queremos, mas, desta vez, temos condições de, pelo menos, indicar o caminho da transformação.
Para discorrer sobre o assunto vou estipular tópicos que serão comentados por classificação profissional e social.
1 – Nova instituição dos direitos iguais.
Essa questão que era amplamente divulgada e discutida em todos os locais presenciais ou virtuais teve uma solução acachapante pois, depois do advento “corona vírus” foi “descoberto” que as minorias não são apenas minorias assim como a maioria não é somente a maioria. Todos foram colocados no seu devido lugar de seres humanos. É claro que existe a diferença de tratamento em função do poder econômico, mas, deitados em uma maca, com a máscara do respirador encravada em sua face tanto faz o seu bolso porque os sentimentos mais profundos foram arrancados de dentro da alma escondida para o consciente e trazidos para o coletivo. Não existe distinção para quem quer viver e sobreviver. Veja hoje nas ruas as pessoas não se preocupam tanto se são brancas, negras, amarelas, vermelhas, heterossexuais, homossexuais, se o cabelo é liso, crespo ou encaracolado; se preocupam se você está de máscara e passou álcool em gel nas mãos ao ponto de, se alguém espirrar por causa do pó do TNT em um supermercado uma “colônia inteira de suricatos” irá olhar naquela direção e escolher entre ficar e correr (felizmente normalmente ficam).
2 – Aprendizado para diminuição dos índices de doenças respiratórias transmissíveis.
Este foi um dos resultados mais benéficos para a sociedade pois a nossa estranheza de ver pessoas circulando com máscaras em fotos tiradas no Japão já não é tão abismal assim. Houve o reconhecimento social e governamental que existe a possibilidade de diminuir as ondas de H1N1 e outras pelo simples uso de máscaras e, consequentemente, diminuir o colapso do sistema de saúde nos períodos de maior incidência destas doenças simplesmente com o uso das máscaras e devida higienização dos veículos do transporte coletivo. As prefeituras poderão, daqui por diante, utilizar o advento do “decreto” para beneficiar a população podendo recomendar e instituir o uso de máscaras em determinados períodos dando ênfase às escolas públicas. A higienização das mãos, seja por álcool em gel como por água e sabão, deverão ser amplamente divulgadas nos ciclos básicos de todas as instituições de ensino. No Japão os professores com máscaras e luvas higienizam os pés das crianças com um pulverizador, as crianças jogam a máscara que veio de casa fora, lavam as mãos, as roupas vaporizadas, a temperatura de olhos, boca e mãos é medida e só então entram na escola. Óbvio que no Brasil poucas medidas serão tomadas neste sentido pois, salvo maior engano, a maioria dos governos municipais e estaduais necessitam de um sistema de saúde alvoroçado para as compras emergenciais e desvios de verbas públicas, mas, mesmo assim, os hábitos serão alterados.
3 – Atualização do sistema educacional.
Existe uma excelente oportunidade de a meritocracia ser a onda do sistema educacional e trazer benefícios imensuráveis para alunos, pais e professores.
Com a utilização do sistema EAD os pais poderão realmente acompanhar o conteúdo que está sendo transferido para seus filhos e a ideologia (qualquer que seja) poderá ser extirpada da vida de nossas crianças. Teremos que resolver a questão social pois a escola é o primeiro instrumento “fora de casa” de convivência social mas existirá um meio termo a ser desenvolvido e seguido. Os princípios de boa convivência serão novamente retomados pelos pais pois, em alguns casos, os “anjinhos” e “anjinhas” são verdadeiros demônios na sala de aula onde não reconhecem a autoridade do(a) professor(a) e seria uma excelente chance de reeducar essas crianças e beneficiar as demais que querem estudar com a ausência das primeiras. Meu pensamento é que deveria haver um “mix” entre presencial e EAD em todas as fases da escola de formação.
José Mateus, cinco anos incompletos, em aula virtual.
4 – Valorização do profissional
Houve um reconhecimento do profissional que, até muito pouco tempo atrás, só era bom se o carro fosse do ano. Hoje, neste exato momento, o carro nem é visto. As competências e experiências são o diferencial do momento. Quem não se atualizou e ficou apenas esperando o tempo passar vai enfrentar muitas dificuldades para se manter em todas as áreas. Vi uma matéria sobre uma banca de peixes que iniciou seu atendimento delivery com pedidos por whatsapp e um dos sócios admitiu, em alto e bom som, que ficou feliz com o aumento rápido dos pedidos, mas se perdeu nas entregas por não possuir uma estrutura lógica e administrativa para aquela ocasião.
Entendam que se trata de uma banca de feira que vende peixes e a falta de conhecimento foi um fator determinante para os sócios procurarem conhecimento.
Este é um período onde o conhecimento fará grande diferença.
5 – Instituição em larga escala do Home office
Quando eu era adolescente falei para meu amigo de 1° Colegial Euller: Quando tiver uma empresa vou sair dois dias para trabalhar e ficar cinco em casa. Mal sabíamos que este futuro não estava tão distante assim e só não me avisaram que os outros cinco dias também estaria trabalhando em casa.
Este tema corrobora o anterior; a maioria das “instituições” perceberam que o local onde o profissional realiza suas funções administrativas e muitas vezes práticas não importa. Grandes empresas como Microsoft, Apple, Google e outras já haviam percebido isso tanto que alcançaram topos empresariais por esta característica. Entenderam que um funcionário feliz rende muito mais que um funcionário encabrestado e “pularam” realmente do sistema burocrático para o sistema gerencial.
Em uma sociedade que ainda possui grandes ranços do sistema burocrático, com arquétipos altamente centralizadores e com a preocupação principal no sistema, o covid-19 está contribuindo, e muito, para que a migração para o sistema gerencial das empresas seja implementado e aceito. Não aceitar esta nova “roupagem” vai trazer dificuldades de mobilidade horizontal e vertical para as empesas e para seus integrantes. A eficiência e a eficácia serão testadas aos seus limites e os resultados serão mais importantes do que nunca com relação aos métodos que sempre deverão ser aceitos pela sociedade¹.
¹ A frase “Os fins justificam os meios foi deturpada durante um período de necessidade de controle político e social. A frase completa é: “Os fins justificam os meios desde que o fim seja o bem e os meios aceitos pela sociedade”
*Daubert Gonçalves é Graduado em Gestão Pública, MBA em Administração Pública e Gerência de Cidades, Auditor Interno ISO 9001/15 e coordena a estratégia e os trabalhos da equipe do GRUPO TOL.